domingo, 3 de novembro de 2013

Instrumentação Analítica com foco em Osmose Reversa


Água purificada para o processo de fabricação de fármacos através do método de Osmose Reversa.


Focando na importância da correta calibração dos equipamentos analíticos utilizados no controle e supervisão do processo
[editado por Douglas Olegário Ivo]

A indústria farmacêutica é um caso singular, onde a água requer um tratamento dedicado em sua composição físico/química e em seu controle bacteriológico, passando por um processo de purificação onde serão removidos 99% de partículas orgânicas e até 95% dos contaminantes inorgânicos. Analisadores instalados ao longo deste processo de purificação serão os responsáveis pelo controle e monitoramento da qualidade final da água (principal solvente).

Uma das maiores dificuldades encontradas por usuários de sistemas osmose reversa é utilizar a forma adequada para calibração dos instrumentos analíticos envolvidos no processo de purificação, cujas variáveis envolvidas estão correlacionadas e sofrem várias influências externas ao processo.

Inicialmente definiremos o conceito de osmose reversa como sendo um equipamento que gera água purificada de qualidade farmacêutica através do princípio de permeabilidade osmótica, ou seja, a água é forçada por uma bomba de alta pressão através de uma membrana semipermeável concentrando os íons e produzindo água purificada livre de sais minerais, do outro lado do permeado. Este sistema é o coração da indústria de fármacos, pois irá produzir o solvente necessário para todas as formulações fabricadas.

Mas antes de seguirmos, é necessário conhecermos alguns parâmetros obrigatórios para o bom  funcionamento deste equipamento que depende muito das condições da água de entrada. Como funciona o tratamento?

O conceito de qualidade da água está relacionado às características apresentadas pela água, determinada pelas substâncias presentes em sua composição. A geração de água purificada depende de uma serie de fatores, já que ela é gerada a partir da água potável, e para aumentar a confiabilidade e garantir a qualidade da água produzida, deve passar por um processo de pré tratamento que será descrito a seguir.

A fim de garantir os parâmetros exigidos pela farmacopeia brasileira, esta água passa primeiramente por filtros, sejam eles de carvão ativado ou de multicamadas, juntamente com uma dosagem de cloro que deve estar a uma concentração de 0,5 e 2,0 mg/l para desinfecção primária e oxidação de agentes ferruginosos. Alguns processos utilizam o gás ozônio (O³), um poderoso agente oxidante de matéria orgânica com concentração de 0,3 ppm. Porém a alta dosagem de cloro pode prejudicar o bom funcionamento do sistema de osmose reversa, danificando as membranas do permeado, para isto é adicionado ao processo uma dosagem do composto denominado metabissulfito de sódio, que causa a remoção por meio de uma rápida reação, do excesso de cloro prejudicial as membranas de filtração.

Ainda antes de iniciar o processo de purificação, a água recebe uma dosagem de hidróxido de sódio, substância coagulante que facilita a filtração pelo permeado. Para que um sistema de osmose reversa produza corretamente água purificada é necessário que a água de alimentação atinja as seguintes especificações:

Turbidez < 1 NTU;
Ferro< 0,05ppm;
Dureza<0,1ppm caso contrário, será necessário a instalação de um abrandador para não danificar as membranas de filtração.




Para o controle microbiológico e oxidação de compostos orgânicos residuais, são instaladas duas lâmpadas U.V com comprimentos de onda respectivamente de 254 nm (instalada na entrada do sistema de purificação) e 185 nm geralmente instaladas no loop de água purificada.

Parâmetros da água purificada

De acordo com a farmacopeia Americana (USP) a água purificada deve estar de acordo com os parâmetros descritos no quadro abaixo:



Desta forma daremos importância maior, aos analisadores de pH, condutividade e Orp, que determinam a qualidade da água através do monitoramento contínuo e o controle dos agentes que nela atuam.
A água purificada para o processo de fármacos exige o cumprimento de alguns parâmetros para garantir a qualidade e eficiência total dos produtos onde será utilizada. Para isto os analisadores que monitoram e controlam estes parâmetros são de extrema importância, vejamos agora as suas funções:
• Analisador de pH
O pH permite quantificar a dosagem de um ácido ou de uma substância alcalina em um determinado meio. A sigla pH deriva da expressão inglesa “ poder Hidrógeno”. Esta variável é mensurada em uma escala que varia de 0 a 14, onde 7 é o ponto de neutralização. O sistema medidor de pH consiste de um potenciômetro, um eletrodo de vidro e um eletrodo de referência juntamente com um sensor de compensação de temperatura ( item importante para este estudo). Diversos processos envolvem soluções
aquosas e necessitam do controle e medição do pH, para garantir a qualidade final do produto. Para o caso
da osmose reversa o pH determina as condições da água para determinadas reações.
A maior inimiga das medições de pH é a sujeira que se deposita sobre as membranas e obstrui os
eletrodos de referência, causando sérios erros de medição.

No sensor de pH o bulbo de vidro detecta íons de H+ e gera uma corrente elétrica (59,2 mV por unidade
de pH a25 ºC). Relação pH x miliVolt3

 

• Analisador de condutividade
Esta grandeza depende da quantidade de sais dissolvidos na água e é diretamente proporcional a sua quantidade. A condutividade pode indicar níveis de substâncias indesejadas como o cloro, no processo de purificação de água através de osmose reversa, portanto esta variável é de extrema importância, pois influencia diretamente na determinação da pureza da água. Seu princípio de medição se baseia na quantidade de elétrons transportados entre duas placas condutoras quadradas, confinadas em um cubo líquido, conectado a um indicador fornecerá uma leitura real da condutividade, mensurada em microSiemens
(μS). Importante ressaltar que uma condutividade muito baixa, influência no sistema de medição do pH, sendo necessário a utilização de eletrodos especiais.





• Analisador de ORP
São analisadores que medem o potencial de redução das soluções e estão relacionados com a perda e o recebimento dos elétrons de uma solução. Pelo fato de adicionarmos metabissulfito e hidróxido de sódio no pré tratamento da água a ser purificada, torna-se necessário o controle das reações. O processo pode ser medido através da diferença de potencial entre um eletrodo metálico e um eletrodo de referência similar aos analisadores de pH, e por não existir unidades que mensurem o ORP, este é indicado através do seu valor em milivolt, em um sistema de água purificada deve-se encontrar uma leitura entre 200 e 300mV. No sensor de ORP, o metal nobre (platina ou ouro) é usado porque não interfere nas reações químicas1. O metal, em
contato com o meio, transmite uma corrente elétrica lida pelo indicador que o transforma em mV.

Podemos citar outros parâmetros que são necessários para o bom funcionamento do sistema, tais como o TOC sigla em Ingles  (Carbono Orgânico Total), que deve ser medido em água purificada para fabricação de fármacos na ordem de partes por bilhão e demanda um estudo dedicado para sua compreensão, a pressão e a vazão variáveis básicas, e oxigênio dissolvido que devem ser rigorosamente controladas para o perfeito funcionamento das membranas, mas aqui não estudadas por se tratarem de instrumentos convencionais ou complexos.

Iniciar de ponto dois ... para começar a operação após instalação:

Define-se calibração como sendo um procedimento experimental através do qual são estabelecidas sob condições específicas, as relações entre os valores indicados por um instrumento de medição ou valores representados por uma medida materializada e os valores correspondentes a estas grandezas, estabelecidos por padrões reconhecidos por entidades legalmente credenciadas.

Existem alguns requisitos que devem ser atendidos nas medições efetuadas, tais como a utilização de padrões rastreáveis a padrões de trabalho, sejam eles secundários ou terciários e um método analítico devidamente validado.

O resultado de uma calibração correta permite estabelecer os valores das grandezas mensuradas para indicações confiáveis, juntamente com a determinação das correções que devem ser aplicadas.

Para o sistema de medição acima mencionado, a calibração torna-se essencial, para se garantir a confiabilidade das medições e assim assegurar a qualidade final do produto.

Um fator muito importante é a escolha dos padrões, estes devem apresentar erros sensivelmente menores do que os erros esperados pelo medidor que será calibrado. Costuma-se adotar como padrão, um elemento que nas condições de calibração em cada ponto, apresente uma incerteza não superior a um décimo da incerteza esperada para o mensurando a calibrar.

O objetivo fundamental deste artigo é chamar a atenção para os principais fatores que devem ser considerados na calibração dos analisadores apresentados anteriormente. Por se tratar de variáveis extremamente críticas para o processo descrito, devemos considerar todas as influências que colaboram para uma medição confiável, e descrever a correlação guardada entre elas. Partindo deste princípio, assume-se a natureza de uma medição indireta e a estimativa de incerteza do tipo B.
•Temperatura - Este componente tem uma enorme influência sobre as outras propriedades, pois acelera reações químicas, reduz a solubilidade de gases e etc.
•Temperatura x pH - A temperatura afeta as medidas de pH de duas maneiras:
- Causando um aumento da inclinação da curva potencial do eletrodo, pois a 0ºC a inclinação é de 54mV/unidade de pH e aumenta 5mV/unidade de pH a cada 25ºC.
- Causando efeitos químicos que alteram facilmente o equilíbrio de soluções tampão utilizadas como padrão.
•Temperatura x Condutividade - De acordo com COHN1, a condutividade aumenta gradativamente
com a temperatura, pois há um acréscimo de energia ao equilíbrio químico provocando o aumento da dissociação iônica, que para águas em geral é de +/- 2% por ºC, esta observação se torna extremamente importante para não se obter uma medição falsa. Em alguns condutímetros esta compensação de temperatura é feita eletronicamente.





• Condutividade x pH
O Gráfico 1 demonstra que na região de neutralização de pH a condutividade é mínima a medida que a solução varia o seu potencial de pH para ácida ou álcali, a tendência da condutividade é subir de valor, isto se deve ao fato de íons salinos resultantes da reação estequiométrica entre ácido e álcali que se sobressaem na recepção do ponto de neutralização terem menor mobilidade
que os íons H+ e OH-.

A Incerteza da medição segundo o Vocabulário Internacional de Metrologia é o parâmetro associado aos resultados de uma medição, caracterizando a dispersão dos valores mensurados podendo ser
fundamentalmente atribuídos ao objeto mensurado. Para sua caracterização são necessários dois valores fundamentais: O intervalo e o nível de confiança, este último estabelece o quão próximo estamos de
uma medição confiável, garantindo que o valor verdadeiro encontra-se neste intervalo. Como vimos, as medições das variáveis até aqui apresentadas estão inter-relacionadas e vários fatores influenciam
para uma medição e conseqüentemente para uma calibração correta.

Para identificarmos as inúmeras fontes de incerteza em uma calibração, é necessário conhecermos bem o processo de medição, pois estas fontes estão contidas, nos métodos de medição utilizados ,no ambiente onde estão sendo realizadas ( temperatura, umidade), nos acessórios e dispositivos utilizados e no técnico, que constitui também uma considerável fonte de incerteza (erro de paralaxe, arredondamentos, etc.).
Fundamentalmente, dois parâmetros devem ser estimados para cada fonte de incerteza: a incerteza padrão (u) e a correção (c ). A incerteza padrão de uma fonte de incertezas é a faixa de dispersão em torno do valor principal tornando-se equivalente a um desvio padrão2.



Para o caso da calibração das variáveis aqui estudadas, torna-se necessário utilizarmos a incerteza padrão combinada, que corresponde ao desvio padrão resultante da ação combinada das várias fontes de incertezas consideradas ( fatores ambientais, soluções padrões, operador ). Para estas aplicações é comum trabalhar com um nível de confiança de 95% para uma distribuição normal das amostras. A correta determinação das incertezas é imprescindível para a declaração final da incerteza da calibração que deve constar obrigatoriamente no certificado de calibração do equipamento. Veja ao lado um exemplo, sobre algumas fontes de incerteza consideradas na medição de pH realizada em uma solução com um instrumento de resolução de 0,00017.

Importante abordar alguns procedimentos de calibração para estes analisadores onde é possível diminuir as influências externas do meio, e conseqüentemente as fontes de incertezas. Primeiramente e necessário avaliar criteriosamente os padrões ou seja, para este caso obter soluções tamponadas com valores definidos, verificando a garantia de rastreabilidade junto aos órgãos legalmente credenciados ( RBC ou laboratórios acreditados da rede) e o condicionamento destes padrões aos efeitos da temperatura, portanto recomenda-se a imersão destes padrões em um banho termostático, para garantir a mínima variação de temperatura possível, obtendo uma calibração segura e com reprodutibilidade.

Após a estabilização da temperatura, lavar os eletrodos com água deionizada e imergi-los na solução padrão até a estabilização da leitura, descartando a solução após o uso, evitando contaminações. E recomendável, obter de três a cinco leituras para cada ponto da escala de calibração, observando-se o critério da  repetitividade. Outro item a ser observado é a freqüência de calibração, que deve ser definida pela criticidade do processo, sempre que um equipamento novo for instalado, ou quando houver desconfiança dos valores mensurados.






Recomenda–se utilizar um procedimento de calibração documentado de acordo com as exigências das normas NBR/ ISO. Para o caso dos analisadores de pH e ORP é possível realizar a calibração dos
indicadores separadamente através de uma fonte de tensão (mV) seguindo valores tabelados, já para o condutímetro pode-se utilizar uma década resistiva padrão, observando o valor do coeficiente K da
sonda e dividindo-o pelo inverso de sua resistividade.

Exemplo:
Uma sonda possui um fator K = 0,01, deseja-se saber o valor de resistência a ser aplicada para uma indicação de 1 µSiemens.
Resolução: k= 0,01/ 0,000001Siemens = 10000W Portanto o valor da resistência a ser aplicada é de 10kW Visto que a maioria dos analisadores aqui apresentados, sofrem forte influência sob a variação da temperatura possuindo um circuito compensador interno, geralmente utilizando um sensor do tipo pt1000, é de extrema importância a calibração destes sensores para uma boa medição.

A indústria farmacêutica é um caso específico no mundo da instrumentação, pois requer cuidados especiais com os equipamentos e uma precisão próxima da perfeição. E com base nos conceitos citados neste artigo, torna-se possível uma calibração segura e abrangente dos analisadores apresentados, considerando todas as variáveis envolvidas em um processo de medição crítico e volátil, como o sistema de água purificada para fabricação de medicamentos.Todavia é necessário o cumprimento de todos os passos rigorosamente, de acordo com um procedimento regulamentado, uma mão de obra especializada e padrões rastreáveis que aumentem a confiabilidade dos valores mensurados, garantindo a qualidade total do produto final.

Referências bibliográficas
1) COHN, Pedro Estéfano. Analisadores industriais. Editora Interciência:IBP,
2006. 1ª Ed. Rio de Janeiro Págs. 211 a 247
2) GUIA PARA EXPRESSÃO DA INCERTEZA DE MEDIÇÂO. 3ª Ed. revisada,
INMETRO. Rio de Janeiro, 2003.
3) MAIA, Francisco José de Oliveira. Estudo da estabilidade e de outras características
de um dispositivo eletrônico para calibração de eletrodos de medição
de pH. ENQUALAB 2005- Encontro para a Qualidade de Laboratórios.Rede
Metrológica do estado de São Paulo.São Paulo, 2005.
4) NASCIMENTO, Alberto.Tire suas dúvidas sobre osmose reversa. Revista
Controle de contaminação, São Paulo, ed. 86, Junho 2006. Págs. 12 a 20
5) RICHTER, Carlos A. e NETTO, José M de Azevedo. Tratamento de água.
Editora Edgard Blucher, 1ª Ed.São Paulo, 1991.Págs. 24 a 38
6) Apostila de metrologia básica. Disponível em : http://www.labmetro.ufsc.
br/Disciplinas/EMC5222/metrologia_1.pdf

Acesso em : 18/04/2009
7) As fontes de incerteza em química analítica quantitativa. Disponível em : << http:/
www./banasmetrologia,com.br>>Acesso em : 18/04/2009 * Por Elcio Cruz de Oliveira
8) O metabissulfito como agente redutor. Disponível em : <<www.pluryquimica.
com.br/.../Metabissulfito >>Acesso em : 27/05/2009
9) Sistema de geração e distribuição de água purificada na indústria farmacêutica.
Disponível em : <<www.racine.com.br/download.asp?idarquivobanco=5131
>>Acesso em : 03/05/2009
www.banasmetrologia.com.br • Outubro • 2010 • 91

Material interesante publicado na www.banasmetrologia.com.br - outubro de 2010. Vale a pena ver mais !